Segunda-feira, 5 de Janeiro de 2009

4- Pequenas histórias da História da 7ªCCMDS/MOÇ

 

Ao longo das nossas intervenções foram-nos acontecendo pequenos contratempos a que agora acho alguma graça, mas que na altura nos iam causando algum embaraço.

Um destes episódios foi-me enviado pelo ex-Fur.Milº CARLOS SILVA, que vindo transferido da 3ª CCMDS veio acabar a sua comissão de serviço na nossa Companhia.

Exerceu as funções de Vagomestre e a sua história está precisamente relacionada com essa actividade.

Relata a fuga épica de um boi que havia sido comprado para nosso consumo, mas que conseguiu enganar-nos.

Os outros episódios foram escritos por mim.

 

 

 O  EQUÍVOCO

 

 

Após a sua formação, e portanto na primeira intervenção, a 7ª Companhia de Comandos de Moçambique  foi destacada para a Zona Operacional de Tete (ZOT).
Fomos transportados para a cidade de Tete em várias levas  no avião nord-atlas, mas ainda na pista em Montepuez aconteceram-nos algumas peripécias.
 Por várias vezes o avião se “ fez” á pista e algumas também teve de voltar para trás para descarregar material,  (largar lastro) dado que não conseguia levantar voo.
O “velhinho” nord-atlas era já naquela altura, um avião ultrapassado.
Chegados ao aeroporto de Tete  a aventura continuou, ali tivemos de esperar dois ou três dias pelas viaturas que entretanto haviam saído de Montepuez em coluna e ainda não tinham chegado. 
Resolvido este problema  iniciámos o deslocamento, com as nossas “embambas” para 
a localidade de Mazoe  que dista cerca de 50 kms de Tete,  ali montámos o nosso acampamento, ficando  instalados junto á ponte do rio com o mesmo nome .
No lado oposto ao nosso com a estrada a passar pelo meio , encontrava-se também destacada uma Companhia de Atiradores, por nós sem qualquer sentido de ofensa, vulgarmente apelidados de “pacaças” que de vez em quando iam fazer uns "piqueniques" ali bem pertinho do estacionamento.
O local, pondo de lado a situação de guerra em que nos encontrávamos, até era muito agradável. Tinha bastante água e muita vegetação, o que no Distrito de Tete não era muito frequente.    Em alguns  períodos de descanso descíamos até ao rio a tomar reconfortáveis banhos e   a água, apesar de não ser salgada  fazia-nos sentir tão bem, como se estivéssemos na cosmopolita Costa do Sol, nas  agitadas ondas da  Macaneta, ou no pacato Bilene.
Foi a partir deste estacionamento que partimos para as nossas primeiras operações.
A 7ª Companhia de Comandos , como todas as Companhias formadas em Moçambique, era constituída  maioritariamente, por pessoal natural de Moçambique.
Quase todos os nossos soldados, mas também um  Oficial  e  alguns Sargentos, eram africanos.
 O Furriel Laice era um dos graduados natural de Moçambique.
Durante uma das várias operações que fizemos naquela zona, foi capturado um elemento IN, que tendo vindo connosco para o estacionamento  ali se manteve enquanto aguardávamos ordens para o levar a Tete onde seria interrogado.
 Permaneceu connosco alguns dias e numa determinada altura, em que houve um pouco mais de alegria, e com alguns “copos” já ingeridos, incluindo o tal elemento capturado, este, dirigindo-se ao Fur. Laice , tratou-o por Chefe Raimundo, confundindo-o com o famoso, e já nosso conhecido, Comandante Raimundo da Frelimo, que então seria o Chefe daquele Sector.
Claro que, para o Laíce  aquilo não caiu nada bem , a sua indignação foi tremenda. Ele não gostou mesmo nada da brincadeira e perante a insistência do guerrilheiro queria mesmo ter outra atitude, o que por nós não foi permitido.
É bem sabido que tudo isto não passou de uma tremenda confusão resultante do excesso
da ingestão do liquido de Baco, mas ainda hoje, passados que são 35 anos sobre o acontecimento, continuamos a achar-lhe bastante graça e quando anualmente nos juntamos nos Convívios da Companhia, o Laíce é ainda muitas vezes, por brincadeira, apelidado  de   “Chefe Raimundo”.
 
 
 
 
 - Avião de transporte de pessoal e carga "Nord-Atlas"-
 
 
  O episódio que se segue  passou-se também na Zona Operacional de  Tete
 
 
O SUSTO
 
 
Durante uma operação em que participaram o 2º e 3º Grupos da Companhia, depois de já termos quatro (4) dias de mato, fomos surpreendidos ás 06H15 da manhã do quinto dia por  alguns elementos IN, cujo número não conseguimos determinar ao certo, mas situando-se entre os 7/8 elementos  que já viriam no nosso encalço, ou que , como é mais provável, tenham dado connosco por acaso.
O Soldado Barbosa da Silva (já falecido infelizmente) sendo um dos militares que se encontravam de vigia, apercebendo-se da situação e ainda um pouco estupefacto disparou sobre o inimigo  pondo-nos a todos de sobressalto.
 De forma quase automática, de arma na mão ,e aplicando o que pouco tempo antes tínhamos aprendido no curso, todos procurámos “qualquer coisa” que nos pudesse conferir alguma protecção e daí dar “resposta” ao IN.
Saltámos , eu e o Laíce, dado que estávamos muito próximos, para trás de um minúsculo arbusto que não conferia protecção nenhuma sequer  a um, quanto mais a dois.
 Sendo esta uma situação que não nos convinha, saímos  dali procurando novo abrigo e, por coincidência, fomos os dois, outra vez, para  um outro arbusto  um pouco  maior mas que também não nos protegia de nada.  
Mesmo naquela confusão olhámos um para o outro e não podemos deixar de esboçar um largo sorriso originado pela situação que acabávamos de criar.   
 Passados os momentos iniciais de alguma confusão, repelimos o IN que ainda hoje, estou convencido disso, se encontrou connosco sem o querer  mas que nos ia causando alguns problemas.
 
O Furriel Laíce, um dos protagonistas dos acontecimentos a que acima me refiro, era um dos elementos de que todos na Companhia,  julgo que sem excepção, tínhamos bastante apreço.
 A sua permanente boa disposição a todos contagiava e mesmo nos piores   momentos  tinha sempre qualquer coisa para nos alegrar.
Ainda hoje, perante as dificuldades que por vezes nos contrariam, ele mantém a mesma atitude. Bem  haja.
 
 
 
 
 -Algures na mata-
 
 
 
 
A FUGA DO BOI
 
 
 
Todos nos recordamos da intervenção em Nhacambo, onde com custo, tivemos de montar as tendas sobre o "matope".
Pois bem, eu ia em dias alternados  ao Tchirodze, comprar bois e cabritos. Levava sempre comigo um camarada que servisse de intérprete, já que em Tete se fala "Chinhungue".
A abordagem era invariavelmente - guilissa wombe (vende bois?) guilissa buzi  vende cabritos?).    A resposta era sempre a mesma, "palibi" (não tem) ou "guilissalini" ( não vende).
Depois de algum diálogo acabavam por vender, se necessário fosse com o aliciante da oferta de um cantil de vinho ou uns quilos de sal.   E lembram-se das autênticas pegas de "cernelha" para imobilizar o animal?
Trazíamos sempre um boi morto e outro vivo sendo este amarrado pelas pernas.
Num belo dia, quando descarregávamos o boi vivo no estacionamento, ele conseguiu desenvencilhar-se das cordas que o prendiam e, qual touro tresmalhado, investiu á marrada acabando por fugir.
A situação era aborrecida, já que teria de dar conhecimento ao Comandante da Companhia, o que se verificou logo de imediato.
O Comandante olhou para mim, e em voz de Comando retorquiu :  O boi foi a caminho dos  "turras" , só falta um letreiro a dizer - Oferta da 7ª Companhia de Comandos.
E parafraseando alguém já desaparecido: E esta hein!.
 
 
 
 
 
-Vista parcial de Nhacambo-
 
 
 
 
AS COBRAS
 
 
Em determinada altura, encontrando-nos nós estacionados em Nhacambo, (Tete) , recebemos uma informação, segundo a qual  naquela zona iria passar um grupo de guerrilheiros que se dirigiriam a uma "Base" que estaria localizada naquela  área.
Convém dizer que poucos dias antes da nossa chegada, Nhacambo  havia sido parcialmente destruída pelo inimigo.
Tomámos então os procedimentos necessários, e na noite em que a suposta movimentação deveria ocorrer  fomos emboscar vários pontos de passagem, a maior parte dos quais junto ao rio que passava bem perto do aldeamento e que naquela altura estava completamente seco.
Durante a noite ouvimos vários barulhos, que por invulgares nos chamaram mais a atenção, mas não conseguimos apurar do que se tratava.
A noite passou, e quanto aos guerrilheiros nada, por ali não passaram. Já com o alvorecer e depois de desmontado o dispositivo que havíamos adoptado, fomos ao leito do rio ver se havia pegadas na areia ou outros vestígios  que nos indicassem uma eventual, mas pouco provável, passagem dos guerrilheiros.
Deparámo-nos então com dois "rastos" na areia deixados por dois animais rastejantes e que indicavam precisamente a nossa direcção.     Ficámos a saber que ali tinham passado duas cobras.
Tratando-se de bichos já com um tamanho razoável , a avaliar pelos tamanho dos rastos,  deduzimos que não poderiam estar muito longe e, com a ajuda dos "milícias" do aldeamento  decidimos dar-lhe caça.    Aos  "milícias" coube o feito de as terem capturado.
Foram então os animais expostos  perante os olhares da população, e depois de tiradas algumas fotografias, foram devidamente preparadas tendo servido de refeição a muita gente do aldeamento.
Eu não comeria!...
 
 
 
 
-Os bichos capturados-
 
 
 
Muitos outros pequenos episódios se passaram connosco e que certamente aqui teriam lugar, mas há distância de tempo em que os mesmos ocorreram já não é muito fácil reconstituí-los e, não o fazer relatando-os tal como na verdade aconteceram não seria, em meu entender, muito correcto.
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por 7ccmdsmoc às 16:11
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